domingo, 2 de outubro de 2011

ISAAC ASIMOV - A MÁQUINA QUE GANHOU A GUERRA

As comemorações ainda deviam se prolongar bastante, e mesmo nas silenciosas
profundezas das câmaras subterrâneas do Multivac havia algo de diferente no ar.
Em primeiro lugar, havia o simples fato do silêncio e do isolamento. Pela primeira
vez nos últimos dez anos, não havia técnicos correndo pelos passadiços do imenso
computador, as luzes não estavam piscando nos seus costumeiros padrões
erráticos, o fluxo de entrada e saída de informações tinha sido interrompido.
Não por muito tempo, é claro, porque a implantação da paz iria impor suas próprias
exigências. Mas naquele instante, por um só dia, talvez por uma semana, mesmo o
Multivac tinha o direito de comemorar a grande data e repousar.
Lamar Swift tirou o quepe militar que usava e fitou o longo corredor central do
computador gigante, que se estendia vazio à sua frente. Estava sentado numa das
cadeiras giratórias usadas pelos técnicos, e seu uniforme, dentro do qual ele nunca
chegara a se sentir confortável, tinha uma aparência gasta e amarrotada.
- Acho que vou sentir falta disso, por mais horrível que possa parecer - disse ele. - É
difícil lembrar de um tempo em que não estivéssemos em guerra com Deneb; agora
parece antinatural saber que estamos em paz e podemos olhar sem medo para as
estrelas.
Os dois homens da Diretoria Executiva da Federação Solar eram ambos mais jovens
do que Swift. Nenhum deles tinha tantos cabelos brancos. Nenhum tinha uma
expressão tão cansada.
John Henderson, lábios finos, mal conseguindo controlar o alívio que sentia em meio
à sensação de vitória, exclamou:
- Foram destruídos! Totalmente destruídos! Fico repetindo isso o tempo todo e ainda
não consigo acreditar. Passamos todos estes anos falando da ameaça que pairava
sobre nós, sobre os demais planetas, sobre cada ser humano, e era verdade, cada
palavra do que dizíamos era verdade. Agora estamos vivos... os denebianos é que
foram dizimados, destruídos! Nunca mais nos atacarão de novo.
- Graças ao Multivac - disse Swift, lançando um olhar de esguelha ao imperturbável
Jablonsky, que durante toda a guerra tinha sido o Intérprete-Chefe do "oráculo" dos
cientistas. - Certo, Max?
Jablonsky encolheu os ombros. Maquinalmente procurou um cigarro no bolso, mas
acabou mudando de idéia. Ele era o único entre os milhares de técnicos que
trabalhavam nos túneis interiores do Multivac que tinha autorização para fumar; mas
nos estágios finais da guerra ele tinha feito um esforço heróico para abrir mão desse
privilégio.
- Bom - disse ele, pelo menos é o que eles dizem. - Seu enorme polegar apontou
para o alto, por sobre o ombro direito.
- Ciumento, Max?
- Porque estão brindando ao Multivac? Porque o Multivac foi o grande herói da
humanidade nesta guerra? - O rosto áspero de Jablonsky assumiu um ar
desdenhoso.
- O que tenho eu a ver com isso? Deixe que o Multivac seja a máquina que ganhou
a guerra, se isso agrada a eles.
Henderson olhou de esguelha para os dois homens. Naquele breve interlúdio em
que os três tinham instintivamente se abrigado no único lugar tranqüilo de uma
metrópole entregue ao delírio da comemoração; naquele compasso de espera entre
os perigos da guerra e as dificuldades da paz; naquele instante em que todos eles
podiam respirar aliviados, ele estava consciente apenas do fardo da culpa que
carregava.
De súbito, foi como se aquele peso se tornasse grande demais para ser levado por
ele sozinho. Tinha que ser retirado de seus ombros. Juntamente com a guerra.
Agora!
- O Multivac não tem nada a ver com esta vitória - disse ele. - É apenas uma
máquina.
- Uma grande máquina - disse Swift.
- Tudo bem, uma grande máquina. Não é melhor do que os dados com que é
alimentada. - Parou por um momento, nervoso diante do que iria dizer em seguida.
Jablonsky o fitou em silêncio, com os dedos procurando novamente um cigarro e
novamente mudando de idéia. Falou, por fim:
- Bom, você é quem sabe. Você lhe fornecia os dados. Ou está querendo receber os
elogios por tudo?
- Nada de elogios - disse Henderson, zangado. - O que sabem vocês dos dados
utilizados pelo Multivac, pré-processados por centenas de computadores
subsidiários aqui na Terra, na Lua, em Marte, até mesmo em Titã? Com os dados de
Titã sempre chegando atrasados e nos deixando sempre naquela expectativa de
que quando chegassem iriam introduzir alguma variável inesperada...
- É, era uma loucura - disse Swift, com simpatia. Henderson abanou a cabeça
negativamente.
- Não se trata só disso. Reconheço que quando eu substituí Lepont como
Programador-Chefe, há oito anos, eu estava nervoso. Mas o clima daquela época
era diferente.
A guerra ainda estava sendo travada num front remoto, era uma espécie de
aventura sem nenhum perigo real. Ainda não tínhamos atingido o ponto em que foi
necessário utilizar naves tripuladas, ou quando armas interestelares podiam
deformar o espaço e engolir um planeta inteiro, se manipuladas corretamente. Mas
aí, quando as verdadeiras dificuldades tiveram início... - Sua voz permitiu-se enfim
exprimir toda a raiva que sentia. - Mas vocês não sabem nada sobre isso!
- Muito bem - disse Swift. - Que tal se você nos contasse? A guerra acabou.
Ganhamos.
- É mesmo - disse Henderson, assentindo com um gesto de cabeça. Tinha que ter
aquilo em mente. Tinham ganhado a guerra. Tinha dado tudo certo, afinal. - Bem...
acontece que a partir de uma certa época os dados já não faziam mais sentido.
- Não faziam sentido? Está dizendo isso literalmente? - perguntou Jablonsky.
- Literalmente. O que queriam vocês? O problema com vocês dois é que nunca
tomaram parte, para valer, nos acontecimentos. Você, Max, nunca saía do Multivac;
e quanto ao senhor, diretor, nunca deixava a Mansão, exceto em missões oficiais
onde via apenas o que os outros queriam lhe mostrar.
- Eu tinha consciência disso - disse Swift, como você mesmo, aliás, deve ter
percebido.
- Muito bem - prosseguiu Henderson. - Sabem até que ponto nossos dados
referentes a capacidade produtiva, potencial de recursos, pessoal qualificado... tudo
que era de importância vital para a guerra, na verdade... sabem até que ponto esses
dados se tornaram inúteis, não-confiáveis, durante a segunda metade da guerra?
Líderes civis e militares tentavam melhorar a própria imagem, omitindo os fatos
negativos e exagerando os positivos. Não importa o que os computadores fazem: os
homens que os programam e que interpretam seus resultados estavam pensando
em salvar a própria pele e em apresentar resultados melhores do que os de seus
concorrentes. Era impossível modificar isso. Eu tentei e falhei.
- Claro - disse Swift, tentando consolá-lo. - Não é de admirar que não tenha
conseguido.
Desta vez Jablonsky tomou a decisão de acender o cigarro.
- E no entanto - falou, isso não impediu que você continuasse supervisionando a
alimentação de dados para o Multivac. Você nunca nos disse nada sobre dados nãoconfiáveis.
- E como poderia dizer? Se eu dissesse, alguém iria acreditar em mim? - retorquiu
Henderson com irritação. - Todo o nosso esforço de guerra tinha que passar através
do Multivac. Era a única arma que poderia desequilibrar a guerra em nosso favor, já
que os denebianos não tinham nada semelhante. Nos momentos de maior perigo, o
que mantinha alto o nosso moral era a certeza de que o Multivac sempre conseguiria
prever e anular qualquer movimento denebiano e ao mesmo tempo evitar que eles
previssem e anulassem os nossos movimentos. Pelo Espaço! Depois que o nosso
sistema de Hiperespionagem foi reduzido a poeira cósmica, ficamos totalmente sem
dados sobre Deneb para fornecer ao Multivac... e nunca nos atrevemos a anunciar
isso em público.
- Isso é verdade - concordou Swift.
- Muito bem - prosseguiu Henderson. - Se eu dissesse a vocês que aqueles dados
não mereciam confiança, que outra coisa vocês poderiam fazer a não ser recusar-se
a acreditar em mim e me substituir por outro? Eu não podia correr esse risco.
- E o que fez, então? - perguntou Jablonsky.
- Bom... já que ganhamos a guerra, acho que agora posso contar tudo. Eu alterava
os dados.
- Como? - perguntou Swift.
- Intuição, talvez. Ficava mexendo neles até que me parecessem corretos. No
começo eu mal me atrevia. Mudava um detalhe aqui, outro acolá, apenas para
corrigir o que eram impossibilidades óbvias. Quando o céu não desabou sobre
minha cabeça, fui ficando mais corajoso. Já agora no final eu nem tomava muitas
precauções. Apenas me sentava e preparava os dados que me eram solicitados.
Consegui inclusive que o Anexo do Multivac preparasse dados para mim, de acordo
com um programa que criei especialmente para isso.
- Cifras aleatórias? - perguntou Jablonsky.
- Não propriamente. Eu introduzi um grande número de parâmetros indispensáveis.
Jablonsky deu um sorriso um tanto inesperado. Os olhos negros brilhavam por sob
as pesadas pálpebras.
- Por três vezes me chegaram relatórios falando de utilização não-autorizada do
Anexo - disse ele. - Sempre arquivei as denúncias. Se fosse algo importante, John,
eu teria seguido até lá e desmascararia o que estava fazendo. Mas é claro que
àquela altura o Multivac não estava mais realizando nada de importante, por isso
deixei-o prosseguir.
- O que quer dizer com isso, "nada de importante"? - perguntou Henderson,
desconfiado.
- A verdade. Se eu tivesse lhe contado tudo então, teria evitado muitas dores de
cabeça para você. Mas se você tivesse aberto o jogo comigo também teria evitado
as minhas. Quem lhe disse que o Multivac estava funcionando direito,
independentemente dos dados que recebia?
- Não estava? - perguntou Swift.
- Na verdade, não. Não merecia confiança. Veja bem: onde estavam meus técnicos
durante os últimos anos da guerra? Vou lhe dizer: estavam operando computadores
em mais de mil instalações especiais diferentes. Todos lá! Eu tive que tocar meu
trabalho com a ajuda de garotos inexperientes e de veteranos com formação
defasada.
Além do mais, acha que eu podia ter confiança nos componentes de estado sólido
que recebia da Criogenia nos últimos anos? Em matéria de pessoal qualificado, a
Criogenia estava tão despreparada quanto o meu setor. Para mim, era indiferente se
os dados colocados no Multivac eram confiáveis ou não. Os resultados não seriam,
em qualquer hipótese. Disso eu tinha certeza.
- E o que você fez? - perguntou Henderson.
- O mesmo que você: introduzi o fator subjetivo. Modifiquei os resultados de acordo
com a minha intuição... e foi assim que a máquina ganhou a guerra.
Swift se recostou para trás na cadeira e esticou as pernas para a frente,
exclamando:
- Mas quantas revelações! Quer dizer então que os relatórios que chegavam às
minhas mãos, o material em que eu me baseava para tomar decisões... eram uma
interpretação feita por um só indivíduo, a partir de dados inventados por um outro
indivíduo. Era isso?
- Tudo indica que era - disse Jablonsky.
- Então eu estava certo em não dar muita importância a esses relatórios.
- Não dar? - A despeito da confissão que tinha acabado de fazer, Jablonsky ainda
conseguiu compor um ar de orgulho profissional ferido.
- Infelizmente. O Multivac parecia estar dizendo: ataque aqui, não ali; faça isto, não
aquilo; espere, não aja. Mas eu nunca podia ter certeza de que o Multivac dizia de
fato o que parecia estar dizendo; ou melhor, se ele sabia o que estava dizendo. Eu
não podia estar seguro.
- Mas os relatórios finais eram sempre muito claros, senhor - disse Jablonsky.
- Talvez... para quem não tinha que tomar a decisão final. Eu tinha. Esse tipo de
responsabilidade acarreta um peso horrível, e nem mesmo o Multivac era suficiente
para remover esse peso. Mas o detalhe importante é: eu estava certo em duvidar, o
que me dá agora um tremendo alívio.
Envolvido por aquela atmosfera cúmplice, cheia de confissões, Jablonsky
abandonou as formalidades:
- Mas então, o que foi que você fez, Lamar? Porque o fato é que você tomava as
decisões. De que modo?
- Bem, acho que preciso ir andando, mas... é, acho que posso dizer-lhes. Por que
não, afinal? O fato, Max, é que lancei mão de um computador, mas um muito mais
antigo do que o Multivac. Muito mais antigo, mesmo.
Ele enfiou a mão no bolso e extraiu dali um maço de cigarros juntamente com um
punhado de pequenas moedas - dinheiro antigo, da época anterior ao racionamento
de metal que transformara o dinheiro num simples serviço de crédito, ligado a um
sistema computadorizado.
Swift deu um sorriso encabulado.
- Gosto de andar com isto... faz com que o dinheiro continue parecendo algo
substancial. Um homem da minha idade tem dificuldade em abandonar os hábitos da
juventude. Com um cigarro no canto da boca, ele foi recolocando as moedas no
bolso, de uma em uma. Não guardou a última: segurou-a na ponta dos dedos e ficou
fitando-a com olhar absorto.
- O Multivac não é o primeiro computador, camaradas, nem é o mais conhecido, nem
o que pode retirar mais eficientemente o peso da responsabilidade de sobre os
ombros de um executivo. A guerra ganha por uma máquina, John, e por um sistema
de computação na realidade muito simples, um que eu usei cada vez que tinha que
tomar uma decisão particularmente difícil.
Com um sorriso vagamente nostálgico, ele atirou a moeda para o alto com a unha do
polegar; ela rebrilhou no ar enquanto girava e voltou a cair sobre a palma da mão de
Swift. Seus dedos se fecharam sobre ela e num gesto hábil ele a pousou sobre as
costas da mão esquerda; ainda mantendo a mão direita na mesma posição,
ocultando a moeda, ele perguntou:
- E então, cavalheiros... cara ou coroa?

terça-feira, 17 de maio de 2011

Como fazer alguém concordar com você



Quer fazer alguém concordar com você? Quer convencer alguém de algo? É só dar uma olhada nas dicas de um novo estudo americano, que analisou como as características da fala influenciam as decisões das pessoas em participar de pesquisas telefônicas.
As conclusões do estudo se aplicam em muitas outras situações, desde fechamento de vendas até angariar votos e fazer seu parceiro ver as coisas à sua maneira.
Segundo os pesquisadores, os entrevistadores que falaram moderadamente rápido, a uma taxa de cerca de 3,5 palavras por segundo, eram muito mais bem sucedidos em conseguir que as pessoas concordassem com eles do quem falava muito rápido ou muito devagar.
Os cientistas gravaram 1.380 chamadas telefônicas introdutórias feitas por 100 entrevistadores. Eles analisaram a fala, fluência, tom e altura da voz, e correlacionaram as variáveis com seu sucesso em convencer as pessoas a participar da pesquisa.
Como as pessoas que falam muito rápido são vistas como “espertões” que podem enganá-las, e pessoas que falam muito devagar são vistas como não muito brilhantes ou muito pedantes, a conclusão sobre a velocidade de discurso faz sentido.
Já outra conclusão foi surpreendente: os pesquisadores achavam que os entrevistadores que parecessem animados e alegres, com muita variação no tom de suas vozes, seriam mais bem-sucedidos. Na verdade, houve apenas um efeito marginal de variação no tom nas taxas de sucesso.
Os cientistas dizem que pode ser que a variação no tom só é útil para alguns entrevistadores, mas para outros, muita variação soa artificial, como se eles estivessem “forçando a barra”, o que afasta as pessoas.
O tom e altura da voz são qualidades altamente relacionadas ao gênero, em grande parte influenciadas pelo tamanho do corpo e o tamanho correspondente da laringe, ou caixa vocal. Normalmente, os homens têm vozes em tom baixo e as mulheres de alta-frequência.
Os pesquisadores examinaram se as decisões dos entrevistados eram influenciadas de forma diferente dependendo se um homem ou mulher a entrevistou. Eles descobriram que homens com vozes mais agudas tiveram menos sucesso do que seus colegas de voz profunda. Já com as mulheres, eles não encontraram nenhuma evidência clara de que o tom importava.
A última característica do discurso examinada foi o uso das pausas. Os cientistas descobriram que os entrevistadores que fizeram frequentemente pequenas pausas foram mais bem sucedidos do que os perfeitamente fluentes.
Entretanto, as pessoas que pausam demais são vistas como disfluentes. Mas o interessante é que mesmo os entrevistadores mais disfluentes apresentaram maiores taxas de sucesso do que os perfeitamente fluentes.
Quando as pessoas estão falando, naturalmente fazem pausas, cerca de 4 ou 5 vezes por minuto. Soa mais natural no contexto. Se o entrevistador não faz pausas, parece que sua fala é “ensaiada demais”.
Os pesquisadores querem continuar as suas análises, comparando o discurso dos entrevistadores mais e menos bem-sucedidos para ver como o conteúdo das conversas, assim como medidas de qualidade de voz, se relacionam com suas taxas de sucesso.

sábado, 14 de maio de 2011

Fungo transforma formigas em zumbis



Um fungo parasita é capaz de manipular uma formiga, enchendo sua cabeça com células fúngicas e comandando seus músculos de modo que a formiga morra apenas quando e onde o fungo quiser.
Não, isso não é o roteiro de um filme de ficção científica. Segundo uma nova pesquisa realizada em uma floresta tropical tailandesa, os fungos de uma espécie chamada Ophiocordyceps podem realmente infectar uma formiga, de forma que ela vaga que nem um bêbado pelo chão da floresta, comandada por ele, antes de morrer no local que ele deseja.
As formigas, de uma espécie chamada Camponotus leonardi, vivem nas copas das árvores, mas vão ao chão ocasionalmente, quando podem contrair o fungo. Formigas saudáveis andam em trilhas totalmente diferentes das infectadas, que ziguezagueiam sobre a vegetação baixa, às vezes caindo e convulsionando antes de dar sua mordida final.
Nesse estudo mais recente, os pesquisadores examinaram formigas saudáveis e infectadas para comparar seus movimentos e revelar os efeitos fisiológicos do fungo. Em um estudo anterior, publicado em 2009, eles descobriram que o fungo manipula as formigas infectadas para levá-lo ao lugar ideal para se reproduzir.
Os cientistas observaram um total de 42 formigas infectadas, sendo que algumas das quais foram dissecadas. A cabeça das formigas estava preenchida com células fúngicas, e os músculos que operavam sua mandíbula, ou maxilar, estavam atrofiados.
No contexto de morder, eles permitem que as mandíbulas trabalhem em um sentido e direção únicos. Normalmente, elas abrem e fecham, mas, neste caso, só podiam fechar.
O fungo também parece sugar todo o cálcio das formigas, provocando uma condição semelhante ao rigor mortis (sinal reconhecível de morte causado por uma mudança química nos músculos, que endurece os membros, fazendo com que eles não possam se mexer ou serem manipulados).
Olhando para 16 formigas infectadas, os pesquisadores descobriram que suas últimas mordidas ocorreram perto do meio-dia, indicando que elas são sincronizadas pelo sol ou outra sugestão relacionada, como temperatura ou umidade.
Apesar das formigas morderem a folha ao meio-dia, elas não morrem de fato até anoitecer. Provavelmente essa estratégia garante que o fungo tenha uma longa noite pela frente, durante a qual ele pode, literalmente, explodir a cabeça da formiga para se libertar e começar a crescer.
O caminho estranho que leva à morte da formiga é completamente fora de sintonia com o seu comportamento normal, e parece ser uma forma do fungo obter um local perfeito para crescer e espalhar seus esporos.
Não é a primeira vez que um fungo é observado manipulando o comportamento de artrópodes, como grilos, abelhas, vespas e talvez até aranhas. Além disso, mais amplamente, muitos parasitas, sejam eles vegetais, animais ou vírus, podem alterar o comportamento de seus hospedeiros.
Os pesquisadores acreditam que existam fenômenos semelhantes em uma ampla gama de organismos. Para os fungos, é um truque evolutivo muito eficiente usar os músculos de um animal para transportá-lo para outro ambiente, já que muitos fungos dependem do vento ou de outros meios passivos para dispersar seus esporos.

O incrivel e colorido mundo dos fungos


Quando falamos de fungos você pensa naqueles bolores que apareceram no queijo que já está há meses na sua geladeira? Pense duas vezes! Os fungos são muito mais coloridos e interessantes do que isso. Confira essas imagens incríveis:




Você acha que os fungos são animais? Vegetais? Na verdade, eles não são nenhum dos dois – eles constituem um reino separado na natureza, intermediário.



É justamente isso que torna os fungos tão interessantes. E se você torce o nariz para eles, lembre-se que eles fazem parte da nossa dieta (champingnons, shitake e as famosas e caras trufas são alguns exemplos). Outros fungos, que não são os cogumelos, também são essenciais na fabricação de outros alimentos. Sem eles não teríamos cerveja, vinho, queijo… isso sem falar em medicamentos como penicilina e antibióticos.



Apesar dos fungos mais famosos serem brancos, marrons ou escuros boa parte deles é extremamente colorida, como você pode ver por essas fotos. Há até algumas variedades de cogumelos que não apenas são coloridas, como brilham no escuro, como o Mycena chlorophos, que habita as florestas brasileiras e japonesas.



Mas há fungos que fazem jus à fama, como o Cryptococcus gattii, que pode ser fatal se seus esporos forem aspirados.



Formigas protegem árvores de elefantes



Na teoria, o senso comum é que elefantes têm medo de ratos, mas, na realidade, eles parecem ter mais medo de insetos.
Pesquisas realizadas na área central do Quênia, em Laikipia e no Tsavo National Park, descobriram que uma espécie de acácia encontrada no leste da África parece ser protegida contra danos causados por elefantes. E quem as protege? As formigas que vivem nelas.
Os elefantes retiram e destroem as cascas das árvores quando se alimentam. O número de elefantes no planalto central do Quênia tornou-se elevado demais nos últimos anos, o que estava diminuindo bastante a vegetação arbórea.
Porém, os pesquisadores ficaram intrigados quando observaram que a cobertura arbórea só tinha diminuído em áreas com solo arenoso, e não em solos argilosos.
No solo argiloso parecia haver apenas um tipo de árvore, uma acácia chamada Acacia drepanolobium. Elas têm uma relação simbiótica com formigas: a planta fornece abrigo e alimento para elas, e elas protegem a planta de elefantes.
Os pesquisadores testaram esse “sistema de segurança” e, realmente, os elefantes só se interessaram em comer as árvores quando as formigas foram retiradas da planta. Os investigadores notaram que os elefantes não queriam sequer tocar os ramos com formigas, pois podiam sentir o cheiro delas e sabiam que seria doloroso comer aquela planta. E eles não têm apenas medo de formigas, mas também fogem de áreas com abelhas, logo que ouvem seus zumbidos.
Segundo os pesquisadores, os elefantes parecem ser cuidadosos quanto a evitar serem mordidos no lado inferior de seus troncos. Outros herbívoros de grande porte, especialmente as girafas, comem as árvores mesmo com as formigas tentando as atacar, provavelmente porque não são tão incomodadas pelos animais. Os investigadores pretendem descobrir porque, e como funciona a ação das formigas. 

[BBC]

O império romano

São 2 horas de áudio explicando desde o surgimento do Império Romano até a queda.


  

Os podcasts do Escriba café são produzidos e editados com muito cuidado e perfeição. Têm um ritmo maravilhoso e envolvente.
Recomendo ouvi-los em fones estéreo em um local calmo.



terça-feira, 10 de maio de 2011

Conto: O gato preto (Edgar Allan Poe)



Não espero nem peço que se dê crédito à história sumamente extraordinária e, no entanto, bastante doméstica que vou narrar. Louco seria eu se esperasse tal coisa, tratando-se de um caso que os meus próprios sentidos se negam a aceitar. Não obstante, não estou louco e, com toda a certeza, não sonho. Mas amanhã morro e, por isso, gostaria, hoje, de aliviar o meu espírito. Meu propósito imediato é apresentar ao mundo, clara e sucintamente, mas sem comentários, uma série de simples acontecimentos domésticos. Devido a suas conseqüências, tais acontecimentos me aterrorizaram, torturaram e destruíram.

No entanto, não tentarei esclarecê-los. Em mim, quase não produziram outra coisa senão horror - mas, em muitas pessoas, talvez lhes pareçam menos terríveis que grotesco. Talvez, mais tarde, haja alguma inteligência que reduza o meu fantasma a algo comum - uma inteligência mais serena, mais lógica e muito menos excitável do que, a minha, que perceba, nas circunstâncias a que me refiro com terror, nada mais do que uma sucessão comum de causas e efeitos muito naturais.

Desde a infância, tornaram-se patentes a docilidade e o sentido humano de meu caráter. A ternura de meu coração era tão evidente, que me tomava alvo dos gracejos de meus companheiros. Gostava, especialmente, de animais, e meus pais me permitiam possuir grande variedade deles. Passava com eles quase todo o meu tempo, e jamais me sentia tão feliz como quando lhes dava de comer ou os acariciava. Com os anos, aumentou esta peculiaridade de meu caráter e, quando me tomei adulto, fiz dela uma das minhas principais fontes de prazer. Aos que já sentiram afeto por um cão fiel e sagaz, não preciso dar-me ao trabalho de explicar a natureza ou a intensidade da satisfação que se pode ter com isso. Há algo, no amor desinteressado, e capaz de sacrifícios, de um animal, que toca diretamente o coração daqueles que tiveram ocasiões freqüentes de comprovar a amizade mesquinha e a frágil fidelidade de um simples homem.

Casei cedo, e tive a sorte de encontrar em minha mulher disposição semelhante à minha. Notando o meu amor pelos animais domésticos, não perdia a oportunidade de arranjar as espécies mais agradáveis de bichos. Tínhamos pássaros, peixes dourados, um cão, coelhos, um macaquinho e um gato.

Este último era um animal extraordinariamente grande e belo, todo negro e de espantosa sagacidade. Ao referir-se à sua inteligência, minha mulher, que, no íntimo de seu coração, era um tanto supersticiosa, fazia freqüentes alusões à antiga crença popular de que todos os gatos pretos são feiticeiras disfarçadas. Não que ela se referisse seriamente a isso: menciono o fato apenas porque aconteceu lembrar-me disso neste momento.

Pluto - assim se chamava o gato - era o meu preferido, com o qual eu mais me distraía. Só eu o alimentava, e ele me seguia sempre pela casa. Tinha dificuldade, mesmo, em impedir que me acompanhasse pela rua.

Nossa amizade durou, desse modo, vários anos, durante os quais não só o meu caráter como o meu temperamento - enrubesço ao confessá-lo - sofreram, devido ao demônio da intemperança, uma modificação radical para pior. Tomava-me, dia a dia, mais taciturno, mais irritadiço, mais indiferente aos sentimentos dos outros. Sofria ao empregar linguagem desabrida ao dirigir-me à minha mulher. No fim, cheguei mesmo a tratá-la com violência. Meus animais, certamente, sentiam a mudança operada em meu caráter. Não apenas não lhes dava atenção alguma, como, ainda, os maltratava. Quanto a Pluto, porém, ainda despertava em mim consideração suficiente que me impedia de maltratá-lo, ao passo que não sentia escrúpulo algum em maltratar os coelhos, o macaco e mesmo o cão, quando, por acaso ou afeto, cruzavam em meu caminho. Meu mal, porém, ia tomando conta de mim - que outro mal pode se comparar ao álcool? - e, no fim, até Pluto, que começava agora a envelhecer e, por conseguinte, se tomara um tanto rabugento, até mesmo Pluto começou a sentir os efeitos de meu mau humor.

Certa noite, ao voltar a casa, muito embriagado, de uma de minhas andanças pela cidade, tive a impressão de que o gato evitava a minha presença. Apanhei-o, e ele, assustado ante a minha violência, me feriu a mão, levemente, com os dentes. Uma fúria demoníaca apoderou-se, instantaneamente, de mim. Já não sabia mais o que estava fazendo. Dir-se-ia que, súbito, minha alma abandonara o corpo, e uma perversidade mais do que diabólica, causada pela genebra, fez vibrar todas as fibras de meu ser.Tirei do bolso um canivete, abri-o, agarrei o pobre animal pela garganta e, friamente, arranquei de sua órbita um dos olhos! Enrubesço, estremeço, abraso-me de vergonha, ao referir-me, aqui, a essa abominável atrocidade.

Quando, com a chegada da manhã, voltei à razão - dissipados já os vapores de minha orgia noturna - , experimentei, pelo crime que praticara, um sentimento que era um misto de horror e remorso; mas não passou de um sentimento superficial e equívoco, pois minha alma permaneceu impassível. Mergulhei novamente em excessos, afogando logo no vinho a lembrança do que acontecera.

Entrementes, o gato se restabeleceu, lentamente. A órbita do olho perdido apresentava, é certo, um aspecto horrendo, mas não parecia mais sofrer qualquer dor. Passeava pela casa como de costume, mas, como bem se poderia esperar, fugia, tomado de extremo terror, à minha aproximação. Restava-me ainda o bastante de meu antigo coração para que, a princípio, sofresse com aquela evidente aversão por parte de um animal que, antes, me amara tanto. Mas esse sentimento logo se transformou em irritação. E, então, como para perder-me final e irremissivelmente, surgiu o espírito da perversidade. Desse espírito, a filosofia não toma conhecimento. Não obstante, tão certo como existe minha alma, creio que a perversidade é um dos impulsos primitivos do coração humano - uma das faculdades, ou sentimentos primários, que dirigem o caráter do homem. Quem não se viu, centenas de vezes, a cometer ações vis ou estúpidas, pela única razão de que sabia que não devia cometê-las? Acaso não sentimos uma inclinação constante mesmo quando estamos no melhor do nosso juízo, para violar aquilo que é lei, simplesmente porque a compreendemos como tal? Esse espírito de perversidade, digo eu, foi a causa de minha queda final. O vivo e insondável desejo da alma de atormentar-se a si mesma, de violentar sua própria natureza, de fazer o mal pelo próprio mal, foi o que me levou a continuar e, afinal, a levar a cabo o suplício que infligira ao inofensivo animal. Uma manhã, a sangue frio, meti-lhe um nó corredio em torno do pescoço e enforquei-o no galho de uma árvore. Fi-lo com os olhos cheios de lágrimas, com o coração transbordante do mais amargo remorso. Enforquei-o porque sabia que ele me amara, e porque reconhecia que não me dera motivo algum para que me voltasse contra ele. Enforquei-o porque sabia que estava cometendo um pecado - um pecado mortal que comprometia a minha alma imortal, afastando-a, se é que isso era possível, da misericórdia infinita de um Deus infinitamente misericordioso e infinitamente terrível.

Na noite do dia em que foi cometida essa ação tão cruel, fui despertado pelo grito de "fogo!". As cortinas de minha cama estavam em chamas. Toda a casa ardia. Foi com grande dificuldade que minha mulher, uma criada e eu conseguimos escapar do incêndio. A destruição foi completa. Todos os meus bens terrenos foram tragados pelo fogo, e, desde então, me entreguei ao desespero.

Não pretendo estabelecer relação alguma entre causa e efeito - entre o desastre e a atrocidade por mim cometida. Mas estou descrevendo uma seqüência de fatos, e não desejo omitir nenhum dos elos dessa cadeia de acontecimentos. No dia seguinte ao do incêndio, visitei as ruínas. As paredes, com exceção de uma apenas, tinham desmoronado. Essa única exceção era constituída por um fino tabique interior, situado no meio da casa, junto ao qual se achava a cabeceira de minha cama. O reboco havia, aí, em grande parte, resistido à ação do fogo - coisa que atribuí ao fato de ter sido ele construído recentemente. Densa multidão se reunira em torno dessa parede, e muitas pessoas examinavam, com particular atenção e minuciosidade, uma parte dela, As palavras "estranho!", "singular!", bem como outras expressões semelhantes, despertaram-me a curiosidade. Aproximei-me e vi, como se gravada em baixo-relevo sobre a superfície branca, a figura de um gato gigantesco. A imagem era de uma exatidão verdadeiramente maravilhosa. Havia uma corda em tomo do pescoço do animal.

Logo que vi tal aparição - pois não poderia considerar aquilo como sendo outra coisa - , o assombro e terror que se me apoderaram foram extremos. Mas, finalmente, a reflexão veio em meu auxílio. O gato, lembrei-me, fora enforcado num jardim existente junto à casa. Aos gritos de alarma, o jardim fora imediatamente invadido pela multidão. Alguém deve ter retirado o animal da árvore, lançando-o, através de uma janela aberta, para dentro do meu quarto. Isso foi feito, provavelmente, com a intenção de despertar-me. A queda das outras paredes havia comprimido a vítima de minha crueldade no gesso recentemente colocado sobre a parede que permanecera de pé. A cal do muro, com as chamas e o amoníaco desprendido da carcaça, produzira a imagem tal qual eu agora a via.

Embora isso satisfizesse prontamente minha razão, não conseguia fazer o mesmo, de maneira completa, com minha consciência, pois o surpreendente fato que acabo de descrever não deixou de causar-me, apesar de tudo, profunda impressão. Durante meses, não pude livrar-me do fantasma do gato e, nesse espaço de tempo, nasceu em meu espírito uma espécie de sentimento que parecia remorso, embora não o fosse. Cheguei, mesmo, a lamentar a perda do animal e a procurar, nos sórdidos lugares que então freqüentava, outro bichano da mesma espécie e de aparência semelhante que pudesse substituí-lo.

Uma noite, em que me achava sentado, meio aturdido, num antro mais do que infame, tive a atenção despertada, subitamente, por um objeto negro que jazia no alto de um dos enormes barris, de genebra ou rum, que constituíam quase que o único mobiliário do recinto. Fazia já alguns minutos que olhava fixamente o alto do barril, e o que então me surpreendeu foi não ter visto antes o que havia sobre o mesmo. Aproximei-me e toquei-o com a mão. Era um gato preto, enorme - tão grande quanto Pluto - e que, sob todos os aspectos, salvo um, se assemelhava a ele. Pluto não tinha um único pêlo branco em todo o corpo - e o bichano que ali estava possuía uma mancha larga e branca, embora de forma indefinida, a cobrir-lhe quase toda a região do peito.

Ao acariciar-lhe o dorso, ergueu-se imediatamente, ronronando com força e esfregando-se em minha mão, como se a minha atenção lhe causasse prazer. Era, pois, o animal que eu procurava. Apressei-me em propor ao dono a sua aquisição, mas este não manifestou interesse algum pelo felino. Não o conhecia; jamais o vira antes.

Continuei a acariciá-lo e, quando me dispunha a voltar para casa, o animal demonstrou disposição de acompanhar-me. Permiti que o fizesse - detendo-me, de vez em quando, no caminho, para acariciá-lo. Ao chegar, sentiu-se imediatamente à vontade, como se pertencesse a casa, tomando-se, logo, um dos bichanos preferidos de minha mulher.

De minha parte, passei a sentir logo aversão por ele. Acontecia, pois, justamente o contrário do que eu esperava. Mas a verdade é que - não sei como nem por quê - seu evidente amor por mim me desgostava e aborrecia. Lentamente, tais sentimentos de desgosto e fastio se converteram no mais amargo ódio. Evitava o animal. Uma sensação de vergonha, bem como a lembrança da crueldade que praticara, impediam-me de maltratá-lo fisicamente. Durante algumas semanas, não lhe bati nem pratiquei contra ele qualquer violência; mas, aos poucos - muito gradativamente - , passei a sentir por ele inenarrável horror, fugindo, em silêncio, de sua odiosa presença, como se fugisse de uma peste.

Sem dúvida, o que aumentou o meu horror pelo animal foi a descoberta, na manhã do dia seguinte ao que o levei para casa, que, como Pluto, também havia sido privado de um dos olhos. Tal circunstância, porém, apenas contribuiu para que minha mulher sentisse por ele maior carinho, pois, como já disse, era dotada, em alto grau, dessa ternura de sentimentos que constituíra, em outros tempos, um de meus traços principais, bem como fonte de muitos de meus prazeres mais simples e puros.

No entanto, a preferência que o animal demonstrava pela minha pessoa parecia aumentar em razão direta da aversão que sentia por ele. Seguia-me os passos com uma pertinácia que dificilmente poderia fazer com que o leitor compreendesse. Sempre que me sentava, enrodilhava-se embaixo de minha cadeira, ou me saltava ao colo, cobrindo-me com suas odiosas carícias. Se me levantava para andar, metia-se-me entre as pemas e quase me derrubava, ou então, cravando suas longas e afiadas garras em minha roupa, subia por ela até o meu peito. Nessas ocasiões, embora tivesse ímpetos de matá-lo de um golpe, abstinha-me de fazê-lo devido, em parte, à lembrança de meu crime anterior, mas, sobretudo - apresso-me a confessá-lo - , pelo pavor extremo que o animal me despertava.

Esse pavor não era exatamente um pavor de mal físico e, contudo, não saberia defini-lo de outra maneira. Quase me envergonha confessar - sim, mesmo nesta cela de criminoso - , quase me envergonha confessar que o terror e o pânico que o animal me inspirava eram aumentados por uma das mais puras fantasias que se possa imaginar. Minha mulher, mais de uma vez, me chamara a atenção para o aspecto da mancha branca a que já me referi, e que constituía a única diferença visível entre aquele estranho animal e o outro, que eu enforcara. O leitor, decerto, se lembrará de que aquele sinal, embora grande, tinha, a princípio, uma forma bastante indefinida. Mas, lentamente, de maneira quase imperceptível - que a minha imaginação, durante muito tempo, lutou por rejeitar como fantasiosa -, adquirira, por fim, uma nitidez rigorosa de contornos. Era, agora, a imagem de um objeto cuja menção me faz tremer... E, sobretudo por isso, eu o encarava como a um monstro de horror e repugnância, do qual eu, se tivesse coragem, me teria livrado. Era agora, confesso, a imagem de uma coisa odiosa, abominável: a imagem da forca! Oh, lúgubre e terrível máquina de horror e de crime, de agonia e de morte!

Na verdade, naquele momento eu era um miserável - um ser que ia além da própria miséria da humanidade. Era uma besta-fera, cujo irmão fora por mim desdenhosamente destruído... uma besta-fera que se engendrara em mim, homem feito à imagem do Deus Altíssimo. Oh, grande e insuportável infortúnio! Ai de mim! Nem de dia, nem de noite, conheceria jamais a bênção do descanso! Durante o dia, o animal não me deixava a sós um único momento; e, à noite, despertava de hora em hora, tomado do indescritível terror de sentir o hálito quente da coisa sobre o meu rosto, e o seu enorme peso - encarnação de um pesadelo que não podia afastar de mim - pousado eternamente sobre o meu coração!

Sob a pressão de tais tormentos, sucumbiu o pouco que restava em mim de bom. Pensamentos maus converteram-se em meus únicos companheiros - os mais sombrios e os mais perversos dos pensamentos. Minha rabugice habitual se transformou em ódio por todas as coisas e por toda a humanidade - e enquanto eu, agora, me entregava cegamente a súbitos, freqüentes e irreprimíveis acessos de cólera, minha mulher - pobre dela! - não se queixava nunca convertendo-se na mais paciente e sofredora das vítimas.

Um dia, acompanhou-me, para ajudar-me numa das tarefas domésticas, até o porão do velho edifício em que nossa pobreza nos obrigava a morar, O gato seguiu-nos e, quase fazendo-me rolar escada abaixo, me exasperou a ponto de perder o juízo. Apanhando uma machadinha e esquecendo o terror pueril que até então contivera minha mão, dirigi ao animal um golpe que teria sido mortal, se atingisse o alvo. Mas minha mulher segurou-me o braço, detendo o golpe. Tomado, então, de fúria demoníaca, livrei o braço do obstáculo que o detinha e cravei-lhe a machadinha no cérebro. Minha mulher caiu morta instantaneamente, sem lançar um gemido.

Realizado o terrível assassínio, procurei, movido por súbita resolução, esconder o corpo. Sabia que não poderia retirá-lo da casa, nem de dia nem de noite, sem correr o risco de ser visto pelos vizinhos.

Ocorreram-me vários planos. Pensei, por um instante, em cortar o corpo em pequenos pedaços e destruí-los por meio do fogo. Resolvi, depois, cavar uma fossa no chão da adega. Em seguida, pensei em atirá-lo ao poço do quintal. Mudei de idéia e decidi metê-lo num caixote, como se fosse uma mercadoria, na forma habitual, fazendo com que um carregador o retirasse da casa. Finalmente, tive uma idéia que me pareceu muito mais prática: resolvi emparedá-lo na adega, como faziam os monges da Idade Média com as suas vítimas.

Aquela adega se prestava muito bem para tal propósito. As paredes não haviam sido construídas com muito cuidado e, pouco antes, haviam sido cobertas, em toda a sua extensão, com um reboco que a umidade impedira de endurecer. Ademais, havia uma saliência numa das paredes, produzida por alguma chaminé ou lareira, que fora tapada para que se assemelhasse ao resto da adega. Não duvidei de que poderia facilmente retirar os tijolos naquele lugar, introduzir o corpo e recolocá-los do mesmo modo, sem que nenhum olhar pudesse descobrir nada que despertasse suspeita.

E não me enganei em meus cálculos. Por meio de uma alavanca, desloquei facilmente os tijolos e tendo depositado o corpo, com cuidado, de encontro à parede interior. Segurei-o nessa posição, até poder recolocar, sem grande esforço, os tijolos em seu lugar, tal como estavam anteriormente. Arranjei cimento, cal e areia e, com toda a precaução possível, preparei uma argamassa que não se podia distinguir da anterior, cobrindo com ela, escrupulosamente, a nova parede. Ao terminar, senti-me satisfeito, pois tudo correra bem. A parede não apresentava o menor sinal de ter sido rebocada. Limpei o chão com o maior cuidado e, lançando o olhar em tomo, disse, de mim para comigo: "Pelo menos aqui, o meu trabalho não foi em vão".

O passo seguinte foi procurar o animal que havia sido a causa de tão grande desgraça, pois resolvera, finalmente, matá-lo. Se, naquele momento, tivesse podido encontrá-lo, não haveria dúvida quanto à sua sorte: mas parece que o esperto animal se alarmara ante a violência de minha cólera, e procurava não aparecer diante de mim enquanto me encontrasse naquele estado de espírito. Impossível descrever ou imaginar o profundo e abençoado alívio que me causava a ausência de tão detestável felino. Não apareceu também durante a noite - e, assim, pela primeira vez, desde sua entrada em casa, consegui dormir tranqüila e profundamente. Sim, dormi mesmo com o peso daquele assassínio sobre a minha alma.

Transcorreram o segundo e o terceiro dia - e o meu algoz não apareceu. Pude respirar, novamente, como homem livre. O monstro, aterrorizado fugira para sempre de casa. Não tomaria a vê-lo! Minha felicidade era infinita! A culpa de minha tenebrosa ação pouco me inquietava. Foram feitas algumas investigações, mas respondi prontamente a todas as perguntas. Procedeu-se, também, a uma vistoria em minha casa, mas, naturalmente, nada podia ser descoberto. Eu considerava já como coisa certa a minha felicidade futura.

No quarto dia após o assassinato, uma caravana policial chegou, inesperadamente, a casa, e realizou, de novo, rigorosa investigação. Seguro, no entanto, de que ninguém descobriria jamais o lugar em que eu ocultara o cadáver, não experimentei a menor perturbação. Os policiais pediram-me que os acompanhasse em sua busca. Não deixaram de esquadrinhar um canto sequer da casa. Por fim, pela terceira ou quarta vez, desceram novamente ao porão. Não me alterei o mínimo que fosse. Meu coração batia calmamente, como o de um inocente. Andei por todo o porão, de ponta a ponta. Com os braços cruzados sobre o peito, caminhava, calmamente, de um lado para outro. A polícia estava inteiramente satisfeita e preparava-se para sair. O júbilo que me inundava o coração era forte demais para que pudesse contê-lo. Ardia de desejo de dizer uma palavra, uma única palavra, à guisa de triunfo, e também para tomar duplamente evidente a minha inocência.

- Senhores - disse, por fim, quando os policiais já subiam a escada - , é para mim motivo de grande satisfação haver desfeito qualquer suspeita. Desejo a todos os senhores ótima saúde e um pouco mais de cortesia. Diga-se de passagem, senhores, que esta é uma casa muito bem construída... (Quase não sabia o que dizia, em meu insopitável desejo de falar com naturalidade.) Poderia, mesmo, dizer que é uma casa excelentemente construída. Estas paredes - os senhores já se vão? - , estas paredes são de grande solidez.

Nessa altura, movido por pura e frenética fanfarronada, bati com força, com a bengala que tinha na mão, justamente na parte da parede atrás da qual se achava o corpo da esposa de meu coração.

Que Deus me guarde e livre das garras de Satanás! Mal o eco das batidas mergulhou no silêncio, uma voz me respondeu do fundo da tumba, primeiro com um choro entrecortado e abafado, como os soluços de uma criança; depois, de repente, com um grito prolongado, estridente, contínuo, completamente anormal e inumano. Um uivo, um grito agudo, metade de horror, metade de triunfo, como somente poderia ter surgido do inferno, da garganta dos condenados, em sua agonia, e dos demônios exultantes com a sua condenação.

Quanto aos meus pensamentos, é loucura falar. Sentindo-me desfalecer, cambaleei até à parede oposta. Durante um instante, o grupo de policiais deteve-se na escada, imobilizado pelo terror. Decorrido um momento, doze braços vigorosos atacaram a parede, que caiu por terra. O cadáver, já em adiantado estado de decomposição, e coberto de sangue coagulado, apareceu, ereto, aos olhos dos presentes.

Sobre sua cabeça, com a boca vermelha dilatada e o único olho chamejante, achava-se pousado o animal odioso, cuja astúcia me levou ao assassínio e cuja voz reveladora me entregava ao carrasco.

Eu havia emparedado o monstro dentro da tumba!